Senhor Presidente,
Nos termos dos §2º do art. 53 da Lei Orgânica do Município de Caririaçu, comunicamos a Vossa Excelência que estou apondo o veto jurídico parcial ao art. 3º do Projeto de Lei nº21, de 01 de novembro de 2022, que Institui a pega de boi do Sítio Mulungu no calendário oficial do Município de Caririaçu, torna tradicional e dá outras providências., de autoria do Vereador Marcos Araújo, encaminhado a este Poder Executivo.
Ouvida a Procuradoria-Geral do Município manifestou-se pelo veto parcial ao Projeto de Lei, nos seguintes termos:
O Projeto de Lei em discussão está assim redigido:
A CÂMARA MUNICIPAL DE CARIRIAÇU, ESTADO DO CEARÁ, por seu Vereador MARCOS BEZERRA ARAÚJO, em pleno exercício do cargo e no uso de suas atribuições legais, apresentam o seguinte projeto de LEI.
Art. 1º - Fica instituído no Calendário Oficial de Eventos do Município de Caririaçu a PEGA DE BOI DO SÍTIO MUNLUNGU, a ser realizado anualmente no quarto domingo do mês de dezembro.
Art. 2° - Fica reconhecido a PEGA DE BOI DO SÍTIO MUNLUNGU, como evento tradicional do Município de Caririaçu/CE.
Art. 3º - As despesas decorrente da execução desta Lei, correrão por conta das dotações Orçamentárias da Promoção de Eventos Sócio Culturais, previstas no orçamento deste município, suplementadas se necessárias.
Art. 4º - Esta Lei entrará em vigor na data de sua aprovação e publicação, revogada as disposições em contrário.
O Projeto de Lei sob análise, de autoria do Poder Legislativo Municipal, especificamente no que tange ao art. 3º, incidiu em desrespeito ao princípio da isonomia, visto que a questão da PEGA DE BOI” trata-se de evento cultural e tradicional no município, onde cada vila ou sítio da zona Rural realiza a sua, tendo estas características privadas e com cunho financeiro para os idealizadores.
Ressalta-se que a realização de despesas com festas e eventos no serviço público deve observar algumas condições ou requisitos com vistas a preservar os princípios do interesse público, da moralidade e da eficiência do gasto público.
A sociedade exige cada vez mais que o investimento dos recursos públicos sirva para atender as demandas sociais e resolução dos problemas coletivos. Em razão disso, a realização de despesas com festas, comemorações e eventos deve ter como principal regra o caráter secundário. Ou seja, o gasto com festividades somente deve ser realizado quando as demais necessidades coletivas estiverem razoavelmente atendidas, salvo se os recursos tiverem destinação específica, devendo, ainda assim, seguir critérios rígidos para garantia da moralidade e eficiência do gasto público.
Mister se faz ter cuidado na realização de festas e eventos diz respeito a finalidade do órgão. De forma geral, não se admite este tipo de despesa quando o evento ou festa esteja desvinculado da finalidade institucional da entidade pública. Segundo jurisprudência do Tribunal de Contas da União, admite-se a realização de despesas públicas com festividades por parte dos órgãos públicos, desde que vinculadas às atividades finalísticas da entidade e sejam feitas com moderação e economicidade.
Da análise da jurisprudência mencionada, percebe-se outras condições para realização de despesas com festividades, quais sejam: a moderação, razoabilidade e economicidade. Para o Tribunal de Contas do Estado, as despesas com comemorações, festas e eventos devem se restringir aos casos estritamente necessários, atendendo-se aos princípios da economicidade, moralidade e transparência, bem como ao do interesse público.
A vinculação de eventos festivos com características culturais, turísticas, econômicas e sociais da localidade é um fator que pode vir a legitimar o gasto, quando se trata de festa ou comemoração organizada pelo próprio poder público, mesmo assim, devendo-se observar e respeitar todos os princípios que regem a atuação da Administração Pública, ou seja, as demais condições de praxe devem ser observadas na realização de despesas com festividades, tais como autorização orçamentária, realização de licitação e ausência de impedimento legal.
É que o aludido dispositivo fere uma gama de preceitos principiológicos que limitam o administrador da coisa pública, ou melhor, do bem público.
Assim, considerando que o Poder Legislativo, especificamente no art. 3º do PL, extrapolou a sua competência ao impor ao Executivo Municipal despesa por evento particular e com cunho financeiro.
Em análise retida ao princípio da isonomia, temos que dentro do direito, nada mais é do que a equalização das normas e dos procedimentos jurídicos entre indivíduos, garantindo que a lei será aplicada de forma igualitária entre as pessoas, levando em consideração suas desigualdades para a aplicação dessas normas.
Trazendo o conceito acima ao caso concreto, por se tratar de uma tradição local de cada localidade rurícola do município, onde particulares sempre organização os festejos com o fito econômico, não há que se falar em possibilidade de o município assumir a responsabilidade pelo custeio de tais festas com finalidades especialmente econômicas, ou seja, fonte de renda para os organizadores.
Para que uma legislação seja eficiente para a garantia dos direitos de uma população, ela precisa criar mecanismos que garantam que as particularidades de cada indivíduo serão notadas para a sua aplicação, sendo que a isonomia é o que garante isso no Direito Brasileiro.
No que toca ao interesse público, temos que o serviço público constitui atividade prestacional, assumindo o “Estado” o dever de garantir a oferta de certas materialidades em favor da coletividade. Nessa perspectiva, embora a prestação integrada na estrutura orgânica da Administração Indireta seja possível, fato é que ela não é prestigiada.
As especificidades das atividades usualmente conduzem à descentralização na prestação dos serviços públicos. Esse processo pode se dar levando em conta pessoas que integram a própria Administração Indireta, ainda que constituídas e organizadas sob roupagem privada. Nesses casos há um arranjo colaborativo entre figuras administrativas.
Por outro lado, há ainda a delegação da gestão da prestação para a iniciativa privada que nestas hipóteses explorará uma atividade pública com o intuito de lucro, presentando o “Estado” perante a coletividade, onde nesses casos a titularidade da atividade persiste sendo pública, o que garante ao “Estado” as atribuições jurídicas necessárias para determinar em que condições a atividade deve ser prestada. Em contrapartida o particular tem o direito à concessão de suas expectativas patrimoniais legítimas, sendo utilizados instrumentos como concessão e a permissão, que transferem mediante licitação, a atividade pública à exploração privada.
Desta feita, por todas as considerações aqui trazidas, que indicam vícios diversos, especialmente quanto aos deveres da administração pública no zêlo da coisa pública, na observância ao interesse público, respeito à isonomia, à eficiência do gasto público, à moralidade e ao orçamento público, e pôr fim à vedação ao favorecimento particular, bem como o desrespeito à legislação pátria nº 14.133/, que estabelece normas gerais de licitação e contratação para as Administrações Públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, dos Estados, do DF e Município.
Logo, conclui-se que, dados diversos vícios presentes no conteúdo do art. 3º, reputa-se como de parcial constitucionalidade/legalidade o presente projeto.
Diante do acima exposto, e acolhendo os motivos apresentados pela Procuradoria Geral do Município, veto parcialmente o Projeto de Lei nº 21/2022, especificamente quanto ao art. 3º, na forma do art. 53, §2º da Lei Orgânica do Município.
Atenciosamente,
JOSÉ EDMILSON LEITE BARBOSA
Prefeito Municipal de Caririaçu/CE